Einstein e a “sua” Equação

A famosa equação E=mc2 atribuída ao físico Albert Einstein (1879 – 1955), possui uma origem um pouco difusa. Embora a cultura popular compreenda essa equação como, até mesmo, um nome ou  sinônimo do cientista alemão, existe indícios consistentes que não foi Einstein quem primeiro provou a equivalência entre energia e massa.

Einstein em 1916
Einstein em 1916

Contudo, algo que recorrentemente surge na recente história da teoria da relatividade (e livros que buscam se utilizar de seu autor para gerar tais polêmica e alavancarem as vendas) são alegações que Einstein plagiou essa equação (ou mesmo todas as suas teorias).

Intrigas, questões geopolíticas, teorias da conspiração buscam até mesmo alegar que Einstein copiou a teoria da relatividade inteira de terceiros em seu emprego antes de ser físico no escritório de patentes de Berna, na Suíça.

Assim, o que desejo mostrar aqui é que  E=mc2   já permeava, sim, trabalhos de diversos físicos e que, ao mesmo tempo, isso não tira o mérito de Einstein em sua solução.

Trago, desse modo, uma tradução que fiz de um artigo do site physicsworld.com, uma das mais renomadas revistas científicas de física, que busca enriquecer com novas discussões históricas a gênese da tão famosa equação:


Foi Einstein quem descobriu o E=mc2?

Did Einstein discover E = mc2? - Physics WorldQuem descobriu o E=mc2? Não é uma pergunta tão fácil de responder como se poderia pensar. Desde cientistas como James Clerk Maxwell e Max von Laue, até uma série de agora esquecidos primeiros físicos do século 20, foram considerados como os verdadeiros descobridores da equivalência massa-energia agora popularmente creditada a teoria da relatividade especial de Einstein. Essas afirmações geraram manchetes acusando Einstein de plágio, mas várias dessas são mentirosas ou pouco fundamentadas. No entanto, dois físicos têm agora mostrado que a famosa fórmula de Einstein tem uma gênese complicada e um tanto ambígua – que tem pouco a ver com a relatividade.

Um dos precursores mais plausíveis na descoberta de E = mc2 foi Fritz Hasenöhrl, um professor de física na Universidade de Viena. Em um artigo de 1904, Hasenöhrl escreveu claramente a equação E = 3/8mc2 . De onde ele tirou isso, e qual o motivo da constante de proporcionalidade estar errada? Stephen Boughn, da Haverford College na Pensilvânia, e Tony Rothman, da Universidade de Princeton, examinaram esta questão em um artigo enviado ao servidor preprint arXiv .

O nome de Hasenöhrl tem uma certa notoriedade agora, como é comumente proclamado pelos aficcionados anti-Einsteins. Sua reputação como o homem que realmente descobriu E = mc2 deve muito aos esforços da física anti-semita e pró-nazista do ganhador do prêmio Nobel Philipp Lenard, que procurou separar o nome de Einstein da teoria da relatividade de modo que não fosse visto como um produto da “ciência judaica”.

“O Maior Físico Austríaco do seu Tempo” 

Friedrich ( Fritz ) Hasenöhrl (1874 - 1915 )
Friedrich ( Fritz ) Hasenöhrl (1874 – 1915 )

No entanto, tudo isto prestou um desserviço a Hasenöhrl. Ele foi aluno e sucessor em Viena, de Ludwig Boltzmann, e foi elogiado por Erwin Schrödinger, dentre outros. ” Hasenöhrl foi, provavelmente, o principal físico austríaco do seu tempo”, disse Rothman a physicsworld.com. Ele poderia ter ido muito longe se não tivesse sido morto na Primeira Guerra Mundial.

A relação entre energia e massa já estava sendo amplamente discutida ao tempo de Hasenöhrl considerando o assunto em questão. Henri Poincaré estabeleceu que a radiação eletromagnética possuía momentum e, assim, efetivamente uma massa, conforme se diz em E = mc2. O físico alemão Max Abraham argumentou que um elétron em movimento interage com seu próprio campo E0, para adquirir uma massa aparente dada por E0 = 3/4 mc2 . Tudo isso foi baseado em eletrodinâmica clássica, assumindo ainda uma teoria do éter. “Hasenöhrl, Poincaré, Abraham e outros sugeriram que deveria haver uma massa inercial associado à energia eletromagnética, mesmo que eles tenham discordado na constante de proporcionalidade”, diz Boughn.

Robert Crease, filósofo e historiador da ciência da Universidade Stony Brook, em Nova York, concorda. “Os historiadores costumam dizer que se não houvesse Einstein, a comunidade teria convergido sobre a relatividade especial em pouco tempo”, diz ele. “Os dados os estavam empurrando, chutando e gritando nessa direção”. Boughn e o trabalho de Rothman , diz ele, mostra que Hasenöhrl estava dentre aqueles que encabeçavam essa comunidade.

Hasenöhrl abordou o problema perguntando se um corpo negro emitindo radiação modificaria sua massa quando está se movendo em relação a um observador. Ele calculou que o movimento acrescentaria uma massa de 3/8c2 vezes a energia radiante. No ano seguinte, ele corrigiu isso para 3/4c2 .

Um Estilo Diferente de Artigo Científico

No entanto, ninguém estudou adequadamente derivação de Hasenöhrl a ponto de entender seu raciocínio ou o motivo do fator estar errado, afirmam Bough e Rothman. Isso não é fácil, eles admitem. “Os papéis, nos padrões de hoje, são apresentados de uma maneira complicada e não são livres de erros. O maior obstáculo é que eles foram escritos a partir de uma visão de mundo obsoleta, que só confunde o leitor mergulhado na física relativista. “Até mesmo Enrico Fermi, aparentemente, não se preocupou em ler os artigos de Hasenöhrl corretamente antes de concluir, erroneamente, que a discrepância de 3/4 no fator prévio, deveu-se à auto-energia do elétron identificado por Abraham.

“Onde Hasenöhrl realmente se perdeu em seu cálculo foi na ideia de que, se os radiadores em sua cavidade estão emitindo radiação, eles deveriam estar perdendo massa, assim seu cálculo não ficou consistente”, diz Rothman. “No entanto, ele tem a metade do mérito. Se ele tivesse simplesmente dito que E é proporcional a m, a história provavelmente teria sido mais gentil com ele”.

Mas, se esse é o caso, onde é que a relatividade apareceria? Na verdade, talvez não precisasse aparecer. Ao passo que Einstein celebrava o artigo de 1905 “Sobre a eletrodinâmica dos corpos em movimento”, estabelecendo-se claramente as bases da relatividade, abandonando o conceito de éter e tronando a velocidade da luz invariante, sua derivação de E = mc2 não dependia desses pressupostos. Você pode obter a resposta certa com a física clássica, diz Rothman, tudo em uma teoria do éter sem c ser constante ou a velocidade limitante. “Embora Einstein comece relativisticamente, ele aproximou muito todos os dados relativistas, sobrando basicamente um cálculo clássico”.

Uma Questão Controversa

O físico Clifford Will, da Universidade de Washington em St. Louis, especialista em relatividade, considera o preprint “muito interessante”. Boughn e Rothman “são físicos bem-vistos”, diz ele, e como resultado, “tende a confiar na análise deles”. No entanto, as controvérsias que foram previamente suscitadas sobre a questão da prioridade, talvez traga certa da relutância dos historiadores da física, comentou quando contatado pela physicsworld.com .

Será que Einstein sabia do trabalho de Hasenöhrl? “Eu não posso provar, mas estou razoavelmente certo de que Einstein o conhecia, e só decidiu fazê-lo melhor”, diz Rothman. Mas falhou ao não citá-lo, o que não era incompatível com as convenções da época. De qualquer modo, Einstein afirmou que sua motivação para a busca da relação massa-energia surgiu este foi desafiado por Johannes Stark (que creditou-a, em 1907, para Max Planck) . Ambos, Hasenöhrl e Einstein, estavam na famosa primeira conferência de Solvay em 1911, junto com a maioria dos outros físicos ilustres da época. “Só podemos imaginar as conversas”, diz Boughn e Rothman.

Rothman disse physicsworld.com que ele se deparou com o nome de Hasenöhrl uma série de vezes, mas sem uma explicação concreta sobre o que ele realmente desenvolveu. “Um dos meus antigos professores, E. C. G. Sudarshan, uma vez mencionou que ele dava crédito a Hasenöhrl pela equivalência massa-energia. Então, por volta da época de Natal do ano passado, eu disse a Steve: “Por que não passamos algumas horas após o almoço um dia olhando para os papéis de Hasenöhrl para ver o que ele fez de errado? ” Bem, um par de horas se transformou em oito meses, pois o problema acabou se tornando extremamente difícil”.


Outro ponto nada difundido sobre o famoso E=mc que é tão popularmente comentado e tão pouco compreendido pela população de um modo geral, é que essa equação não é uma lei geral da física, como o Prof. Dr. Roberto Martins, um dos maiores nomes da História da Física do Brasil, comenta em uma mesa redonda sobre história da ciência no ensino [referência 3] (destaques meus):

(…) Quero dar um exemplo de ignorância histórica bastante comum. Em cursos de Estrutura da Matéria ou de Teoria da Relatividade costuma-se ensinar a ““relação massa-energia de Einstein”” –– E = mc. Por um lado, pode ser interessante mencionar que Poincaré e Hasenöhrl já haviam, antes de Einstein, chegado a essa relação, em casos especiais. Mas omitir Poincaré e Hasenöhrl não é grave. O que é realmente grave é que os professores não sabem que a relação E = mc  não é uma lei geral da Física, se a Teoria da Relatividade estiver correta! Ela é apenas um caso particular da lei de Planck, estabelecida em 1907, segundo a qual a massa inercial maupertuisiana de um corpo (definida como momentum dividido por velocidade) é igual a sua entalpia (e não energia) dividida por c. Apenas quando o termo PV (pressão vezes volume) da entalpia é desprezível, pode-se falar que E = mc2. Além disso, a relação E = mc não se aplica à energia potencial, por exemplo. Quem só conhece os livros-textos e não conhece a história da Teoria da Relatividade profundamente vai sempre cometer erros ao falar sobre essa relação massa-energia.

Portanto, frente a uma equação que funciona em casos muito específicos; que ninguém assumiu para si ou pareceu incomodado antes e durante a vida do físico; que diante de tantos outros trabalhos de maior relevância que Einstein desenvolveu durante sua vida parece algo inócuo; sugere uma relevância exagerada e quase que uma falta de apuramento histórico para aqueles que taxam Einstein como plagiador.

O que podemos concluir (ao meu ver) é que caso já soubesse da equação (que sabemos ter sido provada antes pelos grandes físicos e matemáticos citados), Einstein errou ao não citar essas fontes prévias, embora, conforme vimos no artigo da Physics World, não era costume referenciar papers tal como hoje. Mas, para quem desenvolveu todo um ramo novo da física com a Teoria da Relatividade Geral, reformulou a Mecânica de Newton, contribuiu na corroboração do Efeito Browniano, ganhador do Prêmio Nobel de Física pela descoberta do Efeito Fotoelétrico, dificilmente o veremos se tornando um enorme engodo.

FONTES:

  1. Página de Roberto Martins
    www.ghtc.usp.br/ram-cur.htm
  2. Currículo Lattes – Roberto Martins:
    buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?metodo=apresentar&id=K4783911A7
  3. Frederico Firmo de Souza Cruz, Maria Regina Dubeux Kawamura, Paulo Cesar Coelho Abrantes, Roberto Martins – “Mesa-redonda: influência da história da ciência no ensino de Física” – Caderno Brasileiro de Ensino de Física, v. 5, n. Especial – junho de 1988, págs. 76-92 – Periódicos UFSC:
    periodicos.ufsc.br/index.php/fisica/issue/view/381
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