Um interessante artigo publicado por Alex Wellerstein, historiador da ciência no American Institute of Physics, em seu blog RESTRICTED DATA: The Nuclear Secrecy Blog, analisa a influência dos trabalhos de Einstein e a famosa carta de Einstein-Szilard ao então Presidente Roosevelt, e a existência de uma bomba atômica.
Trago abaixo uma tradução livre do artigo para apreciação e análise sobre o tema. Qualquer erro na tradução, peço que me escrevam.
Uma bomba sem Einstein?
por Alex Wellerstein, publicada em 27 de Junho de 2014
Se Albert Einstein nunca tivesse nascido, algo teria mudado em relação ao fato do momento em que as armas nucleares foram pela primeira vez produzidas? Por alguma razão, eu já vi esta questão ser repetidamente colocada em fóruns na Internet, por mais estranho que esta pareça. Essa é uma pergunta tola. Você não pode ajustar uma variável no passado e, em seguida, saber qual seria o resultado. A história é um sistema caótico; ao começar a remover variáveis, quem pode saber o que aconteceria. Ainda mais uma variável chamada Albert Einstein, um dos físicos mais influentes do século 20, e cuja importância se estende muito além das equações que ele escreveu… e essas são equações muito importantes, como são!

Por outro lado, este tipo de ficção-científica contrafactual pode ter sua utilidade como um experimento mental. Não é história, mas pode ser usada para ilustrar alguns aspectos importantes sobre a história da bomba atômica, que muita gente não sabe, e desfazer um pouco dessa obsessão em relação ao “grande homem” e a história bomba. Albert Einstein tem sido associado com a bomba tanto através de seu famoso cálculo da equivalência massa-energia (E = mc²) quanto por conta da famosa carta de Einstein-Szilard para Roosevelt em 1939. Em relação a esses fatos, isto lhe dá um papel bastante primário, sendo mostrado rapidamente no início da maioria das história do Projeto Manhattan. Mas nem E = mc², nem a carta de Einstein-Szilard eram tão fundamental para o sucesso do Projeto Manhattan como as pessoas o consideram – cientificamente ou historicamente falando.
Em termos de ciência, E=mc² recebe uma grande atenção, mais perfeitamente expressada no retrato de Einstein na capa da revista Time em 1946 (acima) com sua equação estampada em uma nuvem de cogumelo. Muitas pessoas costumam pensar que E=mc² desempenhou um papel fundamental no desenvolvimento da bomba, que a arma acaba por surgir mediante a sua física. Isso está errado. A equação pode ajudar a entender o motivos das bombas atômicas funcionarem, mas realmente não mostram para você como elas funcionam, ou como você esperaria que possivelmente funcionasse.
A maneira que gostaria de colocar é a seguinte: E=mc² fala tanto quanto sobre o funcionamento de uma bomba atômica como as leis de Newton de mísseis balísticos. Em algum “nível menor” a física é fundamental para dar sentido a tecnologia, mas a tecnologia não “brota” da física de uma forma simples, e nenhuma dessas equações dizem se a tecnologia é possível. E=mc² lhe diz que em algum nível muito profundo, energia e massa são equivalentes, e a quantidade de energia que a massa é equivalente é gigantesca. Mas, não diz nada, em primeiro lugar, sobre o mecanismo de conversão de massa em energia, do fato da [bomba] existir, ou se pode ser produzida em maquinários industriais ou militares. A equação não dá pistas nem mesmo onde procurar tais liberações de energia. Após isso, a não ser que você saiba sobre fissão nuclear e possa medir o decaimento da massa ou coisas assim, a equação ajuda a explicar de forma muito concisa, de onde as enormes quantidades de energia provem, mas não lhe concede indicação alguma do ponto de partida.

E o resto dos principais trabalhos teóricos de Einstein, tanto a Teoria da Relatividade Especial quanto Geral? São quase totalmente irrelevante para a fabricação de bombas. Os processos físicos que ocorrem dentro bombas atômicas são o que os físicos chamam de “não-relativista.” A teoria da relatividade geral, só mostra o seu lado quando você está falando de grandes velocidades (por exemplo, grandes frações da velocidade da luz) ou grandes massas (por exemplo, campos gravitacionais ), e nenhum deles entram em jogo com bombas de fissão. Você pode negligenciar relatividade ao fazer a matemática para fazer uma bomba. [1]
Uma questão que inteligentemente surge poderia ser: “Bem, só porque a teoria da relatividade não desempenha um papel no processo da bomba em si, não responde à questão se essa deu partida na física que culminou na bomba, não?” Sem entrar em uma longa linha do tempo da “ciência que levou à bomba”, aqui, considero que nós poderíamos razoavelmente resumir a situação da seguinte forma: Os trabalhos de Einstein de 1905 (onde surgiu o E=mc²), de fato desempenharam um papel nos desenvolvimentos posteriores que se seguiram, mas talvez não tão diretamente como as pessoas pensam. E=mc² não inspirou os físicos a começar a olhar para os processos de conversão de massa para energia – eles já estavam olhando para essa direção através de linhas de estudos totalmente separadas (e anteriores), ou seja, a ciência da radioatividade e física de partículas. O fato de que grandes quantidades de energia foram liberadas através de reações nucleares, por exemplo, já haviam sido estudadas de perto pelo casal Curie, por Ernest Rutherford e Frederick Soddy anteriormente (mas só) a 1905.
Sem dúvida, a obra mais importante Einstein a respeito disso foi seu trabalho sobre o efeito fotoelétrico (pelo qual ele foi agraciado com o Prêmio Nobel de Física em 1921), que ajudou a estabelecer a realidade física do conceito de Max Planck sobre o quantum de energia, que ajudou a alavancar as investigações sobre a teoria quântica e a serem levadas mais a sério. Isto teve uma grande influência sobre a direção que a física seguiria posteriormente, mesmo que o próprio Einstein nunca estivesse suficientemente confortável com a mecânica quântica que se desenvolveu nas décadas seguintes.

Algum dos trabalhos mais densos da relatividade, no entanto, auxiliariam no caminho que eventualmente chegaria à descoberta da fissão em 1939? Eu creio que não. Os experimentos que Hahn, Meitner e Strassman estavam fazendo em Berlim que levaram à descoberta da fissão do urânio eram repetições cuidadosas de trabalhos que Fermi havia feito em torno de 1934. O trabalho de Fermi veio diretamente do do seu eu experimentalista que o era, num contexto da física nuclear onde os físicos bombardeavam substâncias com todos os tipos de partículas subatômicas para observar o que aconteceria. Já isto foi diretamente influenciado pela descoberta do nêutron como uma nova partícula subatômica por Chadwick em 1932. Por sua vez, este saiu de trabalhos sobre a teoria atômica e modelagem atômica que estava sendo feitas por Rutherford e seus alunos na década de 1910 e no início e da 1920. E ainda mais cedo surgia a física nuclear a partir do contexto da radioatividade e física experimental do final do século 19 acima mencionado.
Nenhum, dos quais, teve uma ligação forte, direta ou a partir de um trabalho de Einstein em minha concepção. Eles possuem algumas sobreposições de interesse (por exemplo, Bohr foi aluno de Rutherford), mas, as comunidades que trabalharam com esses tipos de problemas experimentais não eram exatamente do mesmo círculo teórico que o próprio Einstein trabalhou [2]. Se, de alguma forma, magicamente, fosse removido os primeiros trabalhos de Einstein dessa equação aqui, haveria grandes mudanças? Haveria algum remanejamento, provavelmente, mas eu suponho que Rutherford ainda estaria fazendo sua tarefa, de qualquer maneira, e muito dos outros trabalhos que levaram à bomba acabariam por sair, mesmo que tivessem uma forma ou um cronograma um pouco diferente.

Você nem precisa saber que E=mc² é necessário para fazer uma bomba atômica? Talvez, surpreendentemente, não! Existem outras formas fisicamente mais intuitivas para calcular (ou medir) a liberação de energia a partir de uma reação de fissão. Se você tratar o processo da fissão como baseado simplesmente na repulsão eletrostática de dois produtos de fissão, você tem essencialmente a mesma produção de energia na forma de energia cinética. Isto é como a física da fissão é frequentemente ensinada nas atuais aulas de física, porque lhe dá uma indicação mais concreta de como a energia está sendo liberada (enquanto que E=mc², com o decaimento da massa, faz parecer que um raio mágico a leva para longe). Há outras questões físicas mais sutis envolvidas na realização de uma bomba, algumas das quais têm a influência de Einstein sobre eles, de uma forma ou de outra (por exemplo, as estatísticas de Bose-Einstein). Mas eu acho que não é totalmente louco dizer que, mesmo que você consiga imaginar um mundo em que Einstein nunca existiu, a física de uma bomba atômica ainda funcionará muito bem – o trabalho técnico específico de Einstein não era central para o problema, afinal. Nós também não trouxemos a questão se, sem Einstein, a relatividade, de alguma forma teria sido descoberta de alguma maneira. A resposta provavelmente é “sim”, visto que haviam pessoas trabalhando em problemas similares nas mesmas áreas da física, e quando começaram a prestar uma especial atenção para a física de radioatividade foram obrigados a tropeçar em cima da relação massa-energia de qualquer maneira. Isto não é para denegrir ou subestimar a influência de Einstein na física, é claro. O que faz Einstein “Einstein” é que ele, sendo uma única pessoa, conseguiu tirar um grande número de golpes teóricos de uma vez. Mas, se ele não tivesse feito isso, não há nenhuma razão para pensar que outras pessoas não teriam vindo com insights teóricos individualmente, um pouco mais tarde.

E sobre o papel mais direto de Einstein, a famosa carta de Einstein-Szilard de 1939, que influenciou o presidente Roosevelt para configurar o primeiro Uranium Committee? Esta é uma questão histórica complicada que poderia ter (e pode, em algum momento) um blog totalmente separado com esse assunto relacionado. Sua escrita, conteúdo e influência são mais complexas do que o padrão “ele escreveu uma carta, Roosevelt, se criou o Projeto Manhattan”, entendendo que isso ferve em alguns comentários populares. Meu sentimento sobre isso, em última instância, é o seguinte: se a carta de Einstein-Szilard não tivesse sido escrita, não é claro que seria algo muito diferente em relação de fazermos a bomba. Algo como o Uranium Committee poderia ter se iniciado de qualquer maneira (ao contrário do entendimento popular, a carta não foi o primeiro instante que Roosevelt havia sido informado sobre a possibilidade da fissão nuclear), e mesmo se não tivesse, não é claro que o Uranium Committee seria necessário por acabar em um Projeto Manhattan. A estrada a partir de um programa de fissão cuja produção principal seria relatórios acabarem por se tornar em um programa de fissão cuja produção principal seria as bombas atômicas não era direta. No início de 1941, o Uranium Committee havia falhado em convencer os cientistas-administradores que bombas atômicas valiam a pena serem construidas. Eles concluíram que, enquanto as bombas atômicas eram teoricamente possíveis, não era provável que fossem construídas brevemente. Se as coisas tivessem ficado por lá, parece improvável que os Estados Unidos construiriam uma bomba pronta para usar em julho / agosto de 1945.
O “empurrão” veio de uma fonte externa: o programa britânico. Seu Comitê MAUD (o equivalente ao Uranium Committee) concluiu que uma arma nuclear seria muito mais fácil de construir do que os Estados Unidos haviam concluído e enviaram um emissário (Mark Oliphant) para os Estados Unidos para garantir que esta conclusão fosse compreendida. Convenceu-se Vannevar Bush no final de 1941, e ele (junto com Ernest Lawrence, Arthur Compton, e outros) tiraram o controle de Urânio fora das mãos do Uranium Committeeo, acelerou o trabalho, e transformou-a na S-1 Committee. A mudança de nome é significativo – é uma das manifestações mais vivas do aumento do grau de seriedade com que o trabalho se tornou, e o sigilo que veio com ele. No final de 1942, as rodas para todo o Projeto Manhattan foram postas em movimento, e o trabalho havia se tornado um verdadeiro programa de fabricação de bombas.
Einstein não estava envolvido com qualquer um dos trabalhos que, mais tarde, realmente levaram à bomba. Contudo, Ele quase foi: no final de 1941, Bush, considerou uma consultoria com Einstein para ajudar no problema de difusão, mas optou por não o fazer – tanto pelo fato de Einstein não ser considerado politicamente confiável (ele tinha um arquivo bem gordo no FBI), quanto pela dúvida em sua abordagem prática da física [Einstein era um teórico] [3] resultou em Bush decidir que Einstein ficaria fora do circuito.

Vamos resumir. Einstein desempenhou um papel na criação da bomba atômica? Claro – sua física não é irrelevante no processo, e sua carta a Roosevelt originou uma nova fase do trabalho. Mas ambas as coisas são menos proeminentes do que a capa da revista Time evidencia. Não foram centrais para o que se tornou o Projeto Manhattan, e se você pudesse de alguma forma, magicamente, remover Einstein do cenário, não é de todo claro que a bomba atômica não teria sido construída a tempo que, na verdade, foi construída. Eu não acho que você realmente pode creditar, ou culpar, Einstein pela bomba atômica, de alguma forma direta. Einstein desempenhou um papel, mas esse papel não era tão fundamental, central, ou direto como muita gente imagina. Se você pudesse magicamente deixá-lo fora da história, eu considero que o desenvolvimento de bombas atômicas teriam sido muito pouco afetados.
Então, por qual motivo Einstein e o mito da bomba persistem? Por que todo mundo aprende sobre a carta de Einstein, se não foi o provocador do Projeto Manhattan? Há duas respostas aqui, penso eu. Uma delas é que Einstein era, mesmo antes da guerra, um dos mais conhecidos, mais bem reconhecidos físicos do século 20, e era sinônimo de ciência revolucionária e gênio. Tê-lo visto “prever” a bomba atômica com equações nos anos de 1905-40 antes de ser detonada – é o tipo de “gênio-história” que as pessoas gostam, mesmo que isso obscureça mais do que esclareça. Existe também um quociente de alta ironia, já que Einstein foi forçado a fugir da Alemanha quando os nazistas tomaram o poder.
Mas, há outro aspecto talvez mais problemático. Em muitas cópias iniciais do Relatório Smyth que foram distribuídas pelo governo, cópias da carta de Einstein foram mimeografadas e soltas. A ampliação do papel de Einstein foi propositadamente incentivada pelo governo no período imediato após o uso da arma (e foi mesmo um mito conveniente para Einstein, pois ampliou a sua própria importância e, portanto, potencial de influência). A suspensão da bomba atômica na cabeça de Einstein foi um ato de auto-justificação, os algo assim. Einstein foi o maior gênio do mundo aos olhos do público, e ele era um pacifista conhecido, praticamente um santo científico. Afinal, se Einstein pensava que construir uma bomba era necessária, quem poderia argumentar com ele?
NOTAS
[1] Como Robert Serber coloca: “De alguma forma, durante muito tempo, existiu a noção popular que a teoria da relatividade de Einstein, em particular, a sua famosa equação E=mc ², desempenharam um papel essencial na teoria da fissão. Albert Einstein tinha uma importância em alertar o governo dos Estados Unidos para a possibilidade de construir uma bomba atômica, mas a sua teoria da relatividade não é necessária para se discutir a fissão. A teoria da fissão é o que os físicos chamam de uma teoria não-relativista, o que significa que os efeitos relativísticos são pequenos demais para afetar a dinâmica do processo de fissão de forma significante: The Los Alamos Primer: The First Lectures on How to Build an Atomic Bomb (University of California Press, 1992), 7.
[2] Para uma abordagem boa, não-teleológica, “não-bomba-centríca” para o contexto da física do século 19 e 20, Quantum Generations: A History of Physics in the Twentieth Century (Princeton University Press, 2002), é excelente.
[3] Einstein não era um físico “cabeça nas nuvens”, é claro. Ele trabalhava no escritório de patentes e, como Peter Galison tem escrito sobre, até mesmo os seus famosos experimentos mentais foram muitas vezes motivados pela experiência com os problemas práticos de sincronização de tempo. E ele ajudou a inventar uma geladeira com Leo Szilard. Mas seu trabalho em física de difusão era muito abstrato, muito focado na análise do primeiro princípio, para que fosse usado na produção de um resultado prático.
Muito interessante analisar que, de acordo com o autor, Einstein não teve um papel central na existência da bomba atômica, nem politicamente com a sua carta, nem cientificamente com sua teoria.
FONTE: blog.nuclearsecrecy.com/2014/06/27/bomb-without-einstein/